Anotação deslocada no tempo / Sunday, February 15, 2004
E começar como um velho e arranhado disco de vinil também está bem.
Melhor ainda é começar sem idéia, projeto, sentido.
Começar é bom.
Any translation which intends to perform a transmitting function cannot transmit anything but information-hence, something inessential. This is the hallmark of bad translations.
W. Benjamin, "The task of the translator"
Modern bodybuilding is ritual, religion, sport, art, and science, awash in Western chemistry and mathematics. Defying nature, it surpasses it.
Camille Paglia. “Alice in Muscle Land” (27 Jan. 1991)
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"... Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem."
(Ciranda da Bailarina, Edu Lobo e Chico Buarque, 1982)
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Pra começar, como diz a Antônia Pellegrino, copista está bom.
Acabei não escrevendo coisa nenhuma sobre minha guerra contra o fumo, talvez porque assunto mais *BANAL* imaginar quem há de.
Mas achei uma desprentenciosa expressão dessa banalíssima (e crudelíssima) guerra na Internet, solta, sem assinatura. Ri
muito, e copiei. Cá está ela:
A solidão é não-fumante26.02.2004 | Hoje, decerto, não será um dia igual aos últimos 30 que passei à toa, compensando a abstinência com vagabundagem. Meu clínico-geral – ô, raça! – vai pensar que é piada, mas cortei, junto com o cigarro, as carnes vermelhas, o açúcar, os refrigerantes, quase toda gordura animal, farináceos em geral, noitadas em particular...
Só não cortei os pulsos porque nas horas de maior aflição usava os pés para driblar a vontade de fumar. Andava três, quatro horas por dia em busca de bons motivos para largar o vício depois que a tomografia de meus pulmões foi considerada “um espetáculo” pelo especialista que me assiste com antidepressivos (Zyban) e adesivos de nicotina (Niquitin) para segurar minha onda.
Os três quilos que perdi, as ressacas que não tive e a indescritível sensação de limpeza orgânica – até o cheiro de pum de meus filhos voltei a sentir – também me ajudaram a resistir à tentação de uma mísera tragadinha depois das refeições, do cafezinho, do drinque... Para mim, os piores momentos da abstinência foram aqueles de solidão. Jamais estamos sozinhos quando se fuma – daí, imagino, a sensação de que tudo que escrevi até sair de férias tem co-autoria do cigarro. Eu e o Parliament talvez sejamos como Roberto e Erasmo Carlos – não necessariamente nessa ordem.
Ainda bem que volto a fazer análise na próxima terça-feira. Ando cheio de dúvidas de quem eu seja não fumante. Talvez eu não exista sem cigarro! Sabia que esse tipo de crise estava reservada para minha volta ao trabalho, mas confesso que subestimei o vício. Imaginava que, limpo há um mês, não sofreria tanto os efeitos da dependência.
Escrevo da Quarta-Feira de Cinzas, agora são 15h03, e os cinzeiros à minha volta continuam vazios. Faltam, portanto, 8h57 para eu completar 30 dias sem fumar. Meus amigos alcoólatras sabem o que é isso. Às 11h da manhã, quando religuei meu computador, achei que não conseguiria chegar ao meio-dia sem fumar pelo menos dois cigarros para passar do primeiro parágrafo. Acho que hoje vou vencer esta guerra, amanhã começa tudo de novo.
Todo mundo fica um pouco mais burro quando pára de fumar, só espero não cometer a suprema burrice de voltar a fumar por causa do trabalho. O certo seria continuar de férias até tudo isso passar – alguma hora, espero, o cigarro será para mim algo tão imperturbável quanto a cocaína ou a Coca-Cola. Todo ex-fumante deveria ter direito a um ano sabático para se reencontrar!
Agora já são 17h20, matei um bule de café e uma cartela de chicletes, a Unidos da Tijuca é vice-campeã do Carnaval carioca e eu vou chegando ao fim do primeiro texto não-fumante do resto de minha vida. Soube na volta das férias que Lula está tentando largar um tal de Waldomiro, e Luma, o Eike Batista. Meu caso é mais simples: para continuar limpo, basta eu deixar o cigarro. Torçam por mim.
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Queria conhecer o autor deste fragmento, ó pedaço de mim!